Sérgio Ferreira e as cores da intuição



    Sérgio Ferreira em seu ateliê: um operário da arte

Um artista não arrogante, intuitivo, que vive da arte. E não se trata de uma arte qualquer, mas de uma produção consistente, resultado da mescla de materiais, “alterados” ou “afetados” por ele, na estudada manipulação dos elementos, no desenvolvimento de técnicas, valendo-se de conceitos híbridos.
Além disso, uma arte múltipla a que ele faz (pintura, escultura, mobiliário), mas não pedante, avessa a modismos, próxima, sim, de ser decorativa, só que em nenhuma hipótese banal. Enfim, “arte sincera”, como ele mesmo diz, feita por um artista real, um operário das tintas, no esforço de bem conceber o produto de seu ofício.
Sérgio Ferreira é das Minas Gerais. Aos 53 anos, vive hoje em Montes Claros, creio, numa ampla casa onde dedica o seu dia a dia – dos primeiros raios da manhã até o anoitecer – a criar telas, esculturas, móveis (que são muito mais esculturas), e quase não lhe sobra tempo para fazer outra coisa a não ser esculturas, móveis, telas... ah, e também música!
Nesta entrevista, ele fala, com seu jeito mineiro, de uma carreira que há mais de 27 anos é um inegável sucesso, em se tratando de um profissional que vive exclusivamente da arte num país quase cego e quase surdo.





Existência pela arte

"Até onde posso recuar na memória de minha existência, vejo-me envolvido com a arte: desenhos, pinturas, música... Esse sempre foi o meu mundo.
Nasci em Patrocínio, em Minas Gerais. Lá, ainda criança, já me envolvia, muito timidamente (e a contragosto), nos eventos que tinham a ver com desenho, canto... Aos 13 anos, me mudei para Montes Claros, e depois de algum tempo comecei a participar de festivais de música, de salões de pintura."


Presente da vida

“Casei-me muito jovem, isso me impulsionou a focar na sobrevivência desde muito cedo. Formei-me em Administração de Empresas, dei aula em faculdades, aulas de violão, e trabalhei com artesanato. Em seguida, fui morar em Salvador, e lá a vida me presenteou com a possibilidade de viver exclusivamente da pintura.”


Operário das tintas

“Faço arte contemporânea, com todas as implicações que essa classificação pode ter, mas sem a preocupação de torná-la ‘complexa’ ou ‘inatingível’ como modo de fazê-la mais memorável ou bem-aceita. Sou, isto sim, um operário da arte, por isso minha linguagem é acessível e sem pedantismo.”



Intuitivo

“É bastante frequente eu ouvir comentários de que minha pintura é muito musical e vice-versa, que meu mobiliário é bastante escultural... Acredito que isso acontece principalmente porque sou um artista absolutamente intuitivo. Não procuro seguir nenhuma ‘corrente’ ou ‘tendência’ da arte por puro modismo ou estratégia de marketing, até porque teria dificuldade em fazê-lo. Faço tudo a meu modo, de forma original para mim, sempre com muita sinceridade.”


Ambiente como principal influência

“A principal influência que recebi em minha arte é de ordem loco-existencial, como resultado dos lugares por onde passei, dos ambientes em que vivi, sobretudo Montes Claros, que é sabidamente conhecida como ‘Cidade da Arte e da Cultura’. Essa condição foi sendo aguçada à medida que, aqui e ali, em qualquer lugar, eu me deparava com uma certa música, uma dada pintura, um tipo de artesanato ou mobiliário. A ela se somaram saudáveis convivências com artistas como Ray Collares e Konstantin Cristoff.”


Surpreendências

“Ser absolutamente novo em qualquer área é por si só algo muito difícil; na pintura, então... Mas é sempre possível imprimir um elemento novo, apresentar um novo olhar, usar um conceito relativamente atual ou surpreendente.
Acredito na arte universal: aquela que se faz compreender independentemente do espaço que ocupa. Não me prendo a temas, mas ao modo de abordagem, e creio que a simbologia mais presente em minha arte resulta de alguns elementos que compõem o universo da forma: equilíbrio de cores e traços, composição, texturas, com os quais é possível ousar e alcançar a comunicabilidade.”



Vida de artista não é fácil

“Vivo exclusivamente e dignamente da arte há 27 anos. É fácil? Não! Nesse universo, as barreiras são gigantescas. Há que se estar centrado, ter real talento, e não somente inventá-lo!, trabalhar com sinceridade e absoluto profissionalismo.”


Banalização e caos

“Depois de um grande boom nos anos 80, quando a pintura parecia ter sido ‘redescoberta’, deu-se a banalização das artes plásticas, e valores importantes ligados a ela foram deixados de lado. Uma verdadeira ‘chuva’ de ‘novos artistas’ surgiu em todas as partes, e alguns profissionais vindos de áreas indiretamente ligadas à arte, ainda que despreparados para avaliarem-na, passaram a se colocar na posição de grandes conhecedores dela. E se tornaram influentes! Isto culminou num certo ‘caos’ artístico que persiste. É óbvio que estou generalizando, pois existem profissionais e profissionais, e muitos deles tiveram papel importantíssimo na alavancagem de artistas como eu, inclusive.”


Decorativa, mas ainda arte?

“Intencionalmente não acho que faça uma arte meramente decorativa, mas essa apreciação me incomoda, como incomoda a uma gama de profissionais que, de forma arrogante, julgam ser melhor e mais artístico aquilo que se apresenta inacessível, inatingível. Isso é uma bobagem. Eu sou um artista intuitivo, tenho um trabalho visceral e autêntico. Se o resultado dele servir para decorar também, ótimo.”


Materiais aperfeiçoados

“Desenvolvi minhas próprias técnicas e aperfeiçoei muitos materiais (quem sabe eles sejam até muito acanhados, mas são a minha cara): pigmentos, seladores, instrumentos (na pintura); metais, madeiras, óxidos (na escultura); vidro, madeiras garimpadas, chapas (no mobiliário), mas eu não saberia destacar um elemento técnico de forma especial.”




Criação de mobiliário

“O mobiliário surgiu em minha vida de forma muito espontânea. Eu comecei desenhando móveis para a minha casa. Os amigos gostavam e me pediam para desenhar para eles, e eu sempre guardava os projetos. Certo dia, mostrei-os para a minha irmã, a Goreth, que muito me incentivou a me profissionalizar nessa área. Como eu já tinha uma certa projeção como pintor, as coisas se tornaram mais fáceis. Hoje acontece aquela evolução natural, uma peça leva a outra, que leva a outra...”


Interconecção

“Vejo a arte toda interligada; assim, quando ouço uma determinada música, tenho o desejo imediato de compor uma canção também; quando assisto a um balé como o do Grupo Corpo, de Belo Horizonte, vejo nos movimentos mil e uma telas; outras vezes, em frente a um certo mobiliário, sou estimulado a criar uma escultura.”


Bicho do mato

“Na maior parte do tempo, fico meio ‘entocado’ em meu ateliê. Sou meio ‘bicho do mato’. Quem sai por aí e vai pra longe é a minha arte.”

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