Ciúme

Eu estive aqui
na madrugada em que os moradores desapareceram.
A casa ficou vazia,
os vasos de plantas foram atirados no chão do pátio.

Tapetes mancharam-se de vinho verde,
janelas ficaram aos pedaços
e todas as paredes, antes pintadas de amarelo-cobalto,
tingiram-se de um vermelho vivo que se assemelhava à pigmentação do ciúme.

Quando chegaram os homens e as mulheres da perícia,
acharam fotografias rasgadas na lixeira da sala,
respingos de poemas pelo chão do quarto,
três ou quatro retratos arrancados das molduras.

A legista falou sem hesitar que tudo ali estava morto, mas não de crime premeditado,
se é que em casos como aquele um crime houvera,
se não fora apenas o áspero cenário de uma fuga.

Tudo dizia que um erro de cálculo, um equívoco, um acidente
gestado pela cortina do silêncio
deixara esfumaçado o ambiente,
e que alguma coisa já gritava,
rouca de não se fazer ouvir
(com todo aquele barulho pela casa).

De tanto que não se podia ver,
o tiro fora dado num intenso escuro, inteiramente às cegas,
completamente a esmo,
e atingiu o quarto onde não dormia a mais mínima criança,
além de todos os espelhos.

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