Um poema de Ters (Terra)


Reuni há dez anos, mais ou menos, num livro de título estranho, o que achava seriam meus últimos poemas. Mas não passei por um rehab e caí de novo, tempos depois, nesse vício. Acho que tenho também uma certa hipocondria de palavras. 



Batalhas


Todo um dia se passa.
Recolho-me às muralhas.
O inimigo avança
com passos de corsa e onça.
O aflito olhar para os lados
só encontra o sol e seus raios.
Nenhum aliado raia,
nenhum surge em cavalgada.

Fico à espera do saque,
instalo as barricadas,
reforço os portões, as nuvens
vertem sopros, são mortalhas.
Há duzentos e trinta homens
contra mil da outra armada!

Beijo as espadas,
rezo aos fuzis,
tarde exausta.
Há um calor de estopim
queimando na ponta errada,
um vapor de sal, de gorduras
vazando em todas as portas,
um temor medroso e úmido
que não se sustém e que chora.

A morte não desola os ombros,
o que destrói é a espera,
esse aguardar ansioso e raro
que mina as forças e as almas,
que é gozo de mil abutres
que espreitam nossa batalha.
Em círculo, no céu, voam
na ânsia de nossa carne
tais aves desajeitadas.

O vento bate à porta,
range os dentes, pede entrada,
mas todos estão fechados
em seu susto, sua derrota.
O exército inimigo, enfim,
mostra de vez sua cara,
desce as encostas em nuvem
de pérfida cavalgada;
os morteiros estão prontos,
cospem o fogo de sua raiva,
abrem o inferno das dores
para o inverno das almas.

Não há quem recorde, enfim,
o motor dessa estocada,
o princípio da fúria cega
que se espalhou como praga
sobre o espírito de homens
que antes eram irmanados.

Quem abriu os portões d’ouro
para a passagem da lava,
da cega e sua foice irada?

Cavalo amarelo ocre
olhar de dama enfunada.
Esteira de mortes, Ela,
Ela é quem vence a batalha,
que mata com a mão dos homens
uns cem irmãos de jornada,
que cospe nas faces lívidas
dos que tremem, acovardam,
que ri, renega e gargalha,
vagando no céu sem nuvens
a sua densa mortalha,
lençol de sangue dos homens,
pano de dor enlutada.

A legião de demônios
carrega os novos que sobram
(uns mergulham na sombra,
outros desabam n’água).
Segue a severa em seu potro
de pele e crina aziaga,
vai por escaldante via
ao coração de outros tantos
onde a fé se faz irada,
em fezes, bala e cabelos,
e ruas ensanguentadas.

Comentários

  1. Há quanto tempo, Poeta! Bom te encontrar por aqui e ler teus poemas que, para variar, continuam poemas com P maiúsculo. Abraços.

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    Respostas
    1. Olá, Juraci. Estive com problemas no blog e não conseguia responder. Agora a situação se regularizou. Divulgue entre os amigos: a Amazon está comercializando em todo o mundo todos os livros de nossa editora. Tenho um projeto específico para os autores do Pará – de realizar publicações em papel e em e-book, com distribuição pela Amazon. Vamos trocar e-mails nesse sentido. Aí vai: reivaldo.vinas@gmail.com. Muitos abraços.

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