Humanidad: Casa de Demolição (Poemas)




Humanidad é um livro que escrevi como forma de me reconectar com a Terra e a minha herança amazônica, não sem alguma desesperança. Creio que estamos (ou já chegamos) aos limites do não retorno, em que as permanentes e sucessivas agressões que perpetramos ao planeta e aos demais seres que nele vivem já não podem mais ser detidas e tendem a se agravar de forma exponencial. Há, aliás, toda uma teoria de base quântica que fala disso. Pode ser uma visão catastrofista, mas infelizmente não vislumbro, hoje, alternativa nem sinais de uma outra. O poema principal, que dá título ao livro, em duas estrofes resume aquilo que penso quanto ao destino cósmico desta nossa espécie degenerada: 


[...]

Quando ouço dizer
Devemos salvar
a Terra
penso:
a Terra em sua
trajetória cósmica
de zilênios
salvar-se-á a si
não importa
o que desaconteça.
*
Nós é que iremos
nos desfazendo
em massa informe,
vapor de espécie,
limos do Universo.
Nós é que iremos
em espírito
talvez
a uma outra
apagada estrela,
talvez
dejetos do planeta.

[...]

O poema Parla tenta ser a metáfora de nossas ações indecisas, claudicantes, ineficientes em relação ao ecossistema e à biodiversidade, centradas numa "ave que fala" e que por isso mesmo – ser imitativo daquilo que mais especificamente nos diferencia: a linguagem – é nossa contraimagem e dessemelhança, representadas em "algo" que "domesticamos". Busca ser um emblema de nossa inclinação a aniquilar e corromper tudo o que, por paradoxal que seja, ao mesmo tempo se assemelha e se distingue de nós tão absolutamente.


Parla


Tome de um papagaio
ainda menino.
É preciso que se o alimente
com o milho mastigado
por um cão tranquilo.
Depois, ofereça-se a esta ave,
ao longo de um ocaso,
um cri-cri de grilos
e a agitação dos patos.
Fica assim um animal pronto
pra cantoria – ou repetição –
do que se dirá um dia,
mas também pra fala
em videoteipe
de um quase humano dialogar
com as sutilezas da terra.
*
Se o alimento for bom
e servido à ave
duro como gelo,
com a aspereza
de um grão-de-bico,
torna-se rápido
um animal
sedento e aspérrimo
com (nas veias)
o sangue das bestas
e das feras
depois coagulado
em taças de cristal.
*
Será tão sólida
e impenetrável
essa comida
austera
que só duendes
e seres improváveis
nascidos no mais
suportarão
tocar-lhe nas estranhas
fibras de carbono
da alma passarinha
*
até que finalmente
morra
o pássaro desbocado.

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