A que hoje amo só pode ser aquela que está comigo

Agora


A vida não é linear nem simples. Se alguém disser o contrário, está mentindo, mesmo que não saiba. 
Isto é possível?
Oh, mas é claro. Estamos todos nós, o tempo todo, achando que a vida segue em linha reta; e caso haja curvas, que elas serão previsíveis e até suaves. 
Nada mais falso: a vida é uma explosão. Mas pode ser também um sopro de vento. 
É isso o que eu queria dizer e não atino, porque também não inteiramente verdadeiro: a vida pode ser uma coisa e outra. Quase nunca será uma coisa ou outra.
No entanto a queremos pão pão, queijo queijo. 
Temos a ilusão de que a domesticamos nesse ir e vir a que chamamos cotidiano – ou que a subverteremos completamente advogando para nós o que convencionamos chamar de nossa liberdade.
Nenhum ser humano é livre a não ser dentro de si mesmo.
Tudo o que está fora é para além de mim, portanto longe demais do eu ser livre.
Cogitamos que vida material e conforto nos resumem como potencialmente felizes.
E esquecemos que felicidade, prazer e dor só podem acontecer nesse espaço para muito além do si  a que chamamos humanidade.
É preciso ser humano para ser inteiro. E um ser humano nunca é sozinho, nem simples, nem fácil.
Nunca consegui saber o que de mim é o que eu não sou sendo eu mesmo.
E nunca pude descobrir o que o outro é que eu não seria se acaso fosse o que dele espero.
Sei do que me existe só a terça parte do que não descubro.
E o que revelo do outro é o que não sei se ele me permite.
Sou só o que meu gesto executa no espaço em que estamos todos?
Ou serei apenas quando de mim para mim sonho o que poderia ter sido e não fui outro?
Quantas ignomínias atirei no rosto dos que passavam sem me dar conta disso...
Quanto desamei nas que me amaram sem que eu as visse...
E tanto fiz que hoje nem lhes sei o nome com que vivo o esquecimento que delas atravessei enquanto grito.
O amor é uma rota incerta.
Por que absurdamente daquela que mais amaste não consegues recordar minimamente o rosto, mergulhada no passado longínquo?
Talvez a tenhas amado assim porque o que dela adoraste foram os sentimentos.
Mergulhados no tempo, que nos macerou o espírito, perdemos a memória do que nos foi bom e belo.
A vida não segue uma estrada aberta. Mas também não nos conduz apenas às vias que dão nos muros.
A que um dia amaste estará em um lugar qualquer além do mundo.
A que hoje amo só pode ser aquela que está comigo.

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