Uma canção para Elise




Pour Elise

Entre vasos de flores, barro e panelas; em meio a cortinas sem veludo, carro e janelas... uma história de amor. Simples assim.
Sim, está certo: quase nunca não haverá música de fundo. Na maior parte do tempo, estaremos apenas mudos, a andar daqui para ali porque não há outro jeito: a vida segue, as contas chegam, a idade avança, a noite cai sobre todos os mortos.
Mas se você ainda estiver vivo e disposto, haverá dias em que até planta e passarinho aparecem na sacada, crescem papoulas no limo da varanda, o sol grita lá fora e à tarde há o som de chuviscos no telhado.
Um caso de amor. Simples, sem fim.
Creio nele porque o vivo cotidianamente, quase nunca da melhor forma possível, com a angústia de todos os percalços, golpeado por seus altos e baixos, a esperar que um dia faça sol, que noutro dia chova.


Um caso de amor nunca é fácil assim.
Sim, há dias em que sem ela é impossível respirar, os instantes como que não passam e um deserto de ninguéns se forma em ruas abandonadas, prédios demolidos e casas em ruína. 
Se ela não está o Sol não ilumina – mesmo depois de todos esses anos em que aqui estamos juntos e (mal) nos conhecemos – porque o conhecer-se é pra uma eternidade.
Mas o que fazer com esse mar, se é água que em si não cabe?
Na primeira vez em que a vi foi como se tivesse tocado um vaso raro e seu rosto limpo era um jorro de luz na cela de um prisioneiro.
Muitos dirão que isso é fora da realidade, a cem metros do chão, a um passo do delírio. Mas jamais deixou de ser desse jeito na trajetória de nossos desacontecimentos.
Vejo-a ainda hoje no quarto como se nada no mundo fosse mais urgente do que olhar pra ela. E ela não sabe disso, pelo menos nunca o soube plenamente. E imagino que se soubesse seria demais pra seu espírito quieto.
Às vezes penso que (há dezenas de anos) grito e ela não ouve, porque se ouvisse seria impossível não ficar dilacerados.
E há também o fato de que eu nunca soube dizer exata e claramente certas coisas, como se da intenção ao gesto houvesse um pouco mais que abismos; como se da imaginação ao concreto existisse uma porção de desejos aos pedaços.
A vida tem dessas coisas...
Amá-la quase nunca foi claro pra mim, a não ser pela impressão que tenho de conhecê-la já de uma hora muito mais que longa, de um certo tempo muito além do longe, talvez daquele lugar onde a rota d'uma estrela se cruza, no infinito, com o rastro iluminado de algum raro cometa.


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