O cão



É domingo de maio. 
Faz frio, está seco.
Estou sentado no pátio da casa ouvindo longe o latido constante de um cão abandonado num quintal qualquer.
Há um céu cinzento. 
Desde as primeiras horas, late esse cão. Faminto? Provavelmente preso. E já está rouco.
Em vão caminho até o fim da rua para tentar localizar de onde vem o grito. No emaranhado de árvores, muros e casas altas, não consigo saber do cão exáspero. 
Ligo à Sociedade Protetora dos Animais e uma cantilena do outro lado diz: 
Deixe recado após o sinal!
Meu cérebro fervilha, minha indignação também.
Pergunto a umas poucas pessoas que encontro na rua: Onde o cão? Mas todas passam rápido demais, assustadas demais. Ninguém está interessado em vozes, gritos, cães, sobretudo se estão famintos.
Tento, as mãos em concha, apurar a percepção deste velho e cansado ouvido para ouvir melhor o animal e seu lamento, mas de repente cessa o grito angustiado, e não retorna mais. 
Penso que lhe chegaram os donos com o de comer e beber, e pôde ficar quieto, satisfeito?, o cão, tão elementares suas necessidades e seus desejos.
Em uma das casas, uma cortina finalmente se abre, desconfiada, para a rua, me vê e se esconde.
Fico ainda um tempo estático na rua deserta, naquela esquina, com o odor mareado de águas de piscinas, à espera de que retorne o cão e seu latido. 
Mas só há um silêncio que parece paz.
Parece. 
Retorno os meus passos em lenta caminhada de volta para casa e penso no animal que somos, naquilo que sou: estamos prestes a completar a segunda década de um novo milênio, e ainda continuamos a ladrar famintos, cães famintos. 
Tal como há milhões de anos, seguimos a gritar desesperadamente, para sobreviver.
Quem está aí?!
Alguém nos ouve?!

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