Ciúme
Eu estive aqui na madrugada em que os moradores desapareceram. A casa ficou vazia, os vasos de plantas foram atirados no chão do pátio. Tapetes mancharam-se de vinho verde, janelas ficaram aos pedaços e todas as paredes, antes pintadas de amarelo-cobalto, tingiram-se de um vermelho vivo que se assemelhava à pigmentação do ciúme. Quando chegaram os homens e as mulheres da perícia, acharam fotografias rasgadas na lixeira da sala, respingos de poemas pelo chão do quarto, três ou quatro retratos arrancados das molduras. A legista falou sem hesitar que tudo ali estava morto, mas não de crime premeditado, se é que em casos como aquele um crime houvera, se não fora apenas o áspero cenário de uma fuga. Tudo dizia que um erro de cálculo, um equívoco, um acidente gestado pela cortina do silêncio deixara esfumaçado o ambiente, e que alguma coisa já gritava, rouca de não se fazer ouvir (com todo aquele barulho pela casa). De tanto que não se podia ver, o tiro fora dado num intenso escuro, inteiram...