Um poema de Mário Faustino
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Volto aqui a um belo poema de Mário Faustino, um autor que em sua juventude conviveu com alguns de meus mais diletos mestres do campo da literatura em Belém do Pará.
Faustino é um autor ainda hoje, sob muitos aspectos, incomparável, um dos maiores em língua portuguesa, embora com uma produção pequena, enxuta, talvez em razão de seu perfeitismo, uma virtude que o levou a escrever muito pouco (falo de poemas, claro).
Ler um poema de Faustino nos joga no centro de uma questão necessária a quem escreve: a da natureza da poesia hoje, que oscila quase sempre entre um neoparnasianismo injustificável, um simplismo "em favor da comunicação" e um visualismo neoconcreto desanimador.
Ler um poema de Faustino nos joga no centro de uma questão necessária a quem escreve: a da natureza da poesia hoje, que oscila quase sempre entre um neoparnasianismo injustificável, um simplismo "em favor da comunicação" e um visualismo neoconcreto desanimador.
Os poemas de Faustino não são simples nem banais, porque produtos de uma "técnica literária" que em momento algum é bijuteria no poema.
BALATETTA
Por não ter esperança de beijá-lo
Eu mesmo, ou de abraçá-lo,
Ou contar-lhe do amor que me corrói
O coração vassalo,
Vai tu, poema, ao meu
Amado, vai ao seu
Quarto dizer-lhe quanto, quanto dói
Amar sem ser amado,
Amar calado.
Rumo aos quentes países
De seu corpo dormente, rumo ao frio
Vale onde vaga a alma
Liberta que na calma
Da noite vai sonhando, indiferente
À fonte que, de ardente,
Gera em meu rosto um rio
Resplandecente.
No sonolento ramo
Pousai, palavras minhas, e cantai
Repetindo: eu te amo.
Ele, que dorme, e vai
De reino em reino cavalgando sua
Beleza sob a lua,
Encontrará na voz de vosso canto
Motivo de acalanto;
Eu mesmo, ou de abraçá-lo,
Ou contar-lhe do amor que me corrói
O coração vassalo,
Vai tu, poema, ao meu
Amado, vai ao seu
Quarto dizer-lhe quanto, quanto dói
Amar sem ser amado,
Amar calado.
Beijai-o vós, felizes
Palavras que levíssimas envioRumo aos quentes países
De seu corpo dormente, rumo ao frio
Vale onde vaga a alma
Liberta que na calma
Da noite vai sonhando, indiferente
À fonte que, de ardente,
Gera em meu rosto um rio
Resplandecente.
No sonolento ramo
Pousai, palavras minhas, e cantai
Repetindo: eu te amo.
Ele, que dorme, e vai
De reino em reino cavalgando sua
Beleza sob a lua,
Encontrará na voz de vosso canto
Motivo de acalanto;
Eu, carregando só, por esta rua
Difícil, meu pesado
Coração recusado,
Verei, nesse seu sono renovado,
Razão de desencanto
E de mais pranto.
Vos disse que chorásseis, vós também?
(Mário Faustino, 2002)
Mas a ideia também tem de ser clara.
No caso de Faustino, a clareza do argumento é tamanha que não chega a ser fissurada pela conjugação, quase sempre fatal para a comunicabilidade, entre a predominância da ordem indireta nas estrofes e os sucessivos enjambements.
É possível por isso mesmo admirar o poema como narrativa e como construção.
Desesperançado e, maior lástima, antecipadamente recusado, atribui o coração ao poema, à palavra, a missão de ir ao quarto do amado dizer-lhe "quanto, quanto dói amar sem ser amado, amar calado".
Uma sensualidade explícita, mas sutil, não se nega a apresentar-se:
Beijai-o vós, felizes
Palavras que levíssimas envioRumo aos quentes países
De seu corpo dormente [...]
Mas apesar de tudo, da dor intensa do amor rejeitado, paradoxalmente ao poema não é permitido chorar. Às palavras só é possível cantar:
Entretanto cantai, palavras: quem
Vos disse que chorásseis, vós também?
Vos disse que chorásseis, vós também?
Só um coração trespassado de talhos de prego-parafuso resiste a essa leitura em voz alta.
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