Anima



Eis um dos poemas de Uma canção para Elise. 
Feito para ser falado, soa diferente dos textos concebidos para leitura exclusiva em papel, silenciosa. 
É um tanto coloquial, por isso, derramado, com um ritmo marcado para as inflexões em voz alta. 
Utilizei como recurso algo inerente ao que a psicologia analítica de Jung chama de Anima (pronuncia-se "ânima") – em que o inconsciente do homem encontra expressão como uma personalidade interior feminina.


Você não soube


Naquela noite, você disse que ia embora e eu fiquei sem voz, o chão fugiu debaixo dos meus pés, e eu só ­pensei: meu Deus! e tive vontade de morrer. Só não chorei um rio porque

peixes miúdos não choram, 
não no fundo das águas!

Mas o peito queria explodir: uma agonia antes de você chegar era revolta depois medo depois mágoa. 
Ficou no coração uma espada só lâmina.

Ah, nunca foi tão difícil
dormir.  

Os lençóis pesavam como chumbo – a escuridão era um monstro, o travesseiro parecia de pedra.
Acordei? Como um zumbi vermelho andei pela casa arrastando as correntes de um fantasma. 

Como pode um coração ser tão inquieto?

Eu sei agora só agora eu sei
o nome daquela que levou você de mim.

Que faça bom proveito!

Sinto pena muitíssima de tudo 
o que não ­conseguiu viver a meu lado 
– verdadeiro dó. 

Você não soube do sorriso que eu guardava todo fim de semana e já ofertava logo à porta antes de você chegar.

Você não soube o quanto eu pedi 
aos céus – a Deus – aos anjos
para afastar-nos de todo mal
quando batiam à porta

os carros 
as luzes
os jatos de néon
as ligações zumbindo
no celular a todo tempo
enquanto eu no quarto
deixava a música a todo
volume
enquanto lia
as cartas que diziam...

Ó  meu Deus
como fui tonta
uma borboletazinha de prata
e esmalte nas unhas
enquanto dobrava teus 
lenços
de insuportável 
perfume.

Você não soube as horas 
que dediquei em sonho
para que fosse bom
o nosso dia.

Você não soube nada!

O verdadeiro amor está além dos olhos.
Um cego não verá o sol
que brilha à frente.

Serei luz para outro.

Adeus!

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