Sobre um poema de Mário Faustino
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Um jovem leitor publicou em sua página na Internet um poema admirável de Mário Faustino, um autor que há anos deixei de revisitar e que conviveu com alguns de meus mais caros mestres e amigos em Belém do Pará.
Ler o poema me trouxe de volta à mente a força literária desse cara.
Ler o poema me trouxe de volta à mente a força literária desse cara.
É um poema devastador, com aquela vibração de arco de violino própria da arte autêntica, de uma inquietação à flor da pele e à flor do estilo, produto de uma técnica de escritura que em momento algum é "bijuteria" no poema.
E é um poema de amor, algo que realizar depois de Shakespeare e uns tantos gênios do naipe do Bardo é quase sempre um perigo para um escritor cerebral que defende alguma reputação.
Ei-lo, puro Arco do Triunfo:
Ei-lo, puro Arco do Triunfo:
BALATETTA
Por não ter esperança de beijá-lo
Eu mesmo, ou de abraçá-lo,
Ou contar-lhe do amor que me corrói
O coração vassalo,
Vai tu, poema, ao meu
Amado, vai ao seu
Quarto dizer-lhe quanto, quanto dói
Amar sem ser amado,
Amar calado.
Beijai-o vós, felizes
Palavras que levíssimas envio
Rumo aos quentes países
De seu corpo dormente, rumo ao frio
Vale onde vaga a alma
Liberta que na calma
Da noite vai sonhando, indiferente
À fonte que, de ardente,
Gera em meu rosto um rio
Resplandecente.
No sonolento ramo
Pousai, palavras minhas, e cantai
Repetindo: eu te amo.
Ele, que dorme, e vai
De reino em reino cavalgando sua
Beleza sob a lua,
Encontrará na voz de vosso canto
Motivo de acalanto;
E dormirá mais longe ainda, enquanto
Eu, carregando só, por esta rua
Difícil, meu pesado
Coração recusado,
Verei, nesse seu sono renovado,
Razão de desencanto
E de mais pranto.
Entretanto cantai, palavras: quem
Vos disse que chorásseis, vós também?
(Mário Faustino, 2002)
Esse poema é um daqueles exemplos que atestam a máxima teórica de que a literatura não é o que se escreve, mas o modo como se escreve, resultado das articulações e dos usos que um autor faz dos significantes da linguagem verbal: grafia, sonoridade, ritmo, pausa, repetição, silêncio... até o ponto em que isso tudo resulte num significado .
Mas a ideia também tem de ser clara.
No caso de Faustino, a clareza do argumento é tamanha que sequer chega a ser fissurada pela conjugação, quase sempre fatal para a comunicabilidade, entre a predominância da ordem direta nas estrofes e os sucessivos encadeamentos dos versos, nos enjambements.
É possível por isso mesmo admirar o poema como narrativa, como perspectiva e como construção.
Só um coração de pedra e dinamite, pespegado de talhos de pregoparafuso, derruído escombro e cinzas, resiste a lê-lo em voz alta.
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