David Hart – sobre o "Silence River" de Antônio Moura
O primeiro livro completo de um poeta brasileiro publicado no Reino Unido foi Silence River, do paraense Antônio Moura.
Em comentário a essa publicação, David Hart diz que o prefácio de Stefan Tobler o apanhou com seu entusiasmo e prazer de haver realizado esse trabalho, mas que a introdução de David Treece o aborreceu desde a primeira página.
"É a diferença entre aquele que trabalha no texto e o acadêmico permanente", afirma.
A presença do "acadêmico permanente", que se pretende crítico, mas não consegue deixar de ser prolixo e opaco – e por isso é um balde de água fria no leitor –, é recorrente nestes nossos tempos.
Hart não é prolixo nem opaco.
Aqui publico, seu comentário no original.
Um brinde ao querido poeta.
The back cover of Antônio Moura's Silence River tells me this is the first full-length book by a living Brazilian poet to be published in the UK and that Moura (b.1963) is 'one of Brazil's leading literary figures'.
The conveying of a poet into another language can be talked through in various ways. Stefan Tobler's preface caught hold of me by its enthusiasm, pleasure in the work, and that he cares. In contrast, David Treece's introduction had me bored by the first page. It's the difference - or is here - between the worker on the text and the standing apart academic.
The translator's practical invitation and his conveying the pleasure of the task is, so far as I can tell, brought to fruition in his translations. There is a faster flow than Hèléne Dorion's, while having something akin in the way the poems connect; Fall begins like this,
When the sound of a fall is
heard and on running to the spot
a soul is found, victim of its own body,
the sky is for him, almost dead,
the world that, human animal, approaches,
on your brow the daily sweat
stars above, remains of the dead
carefully not to disturb them,
stretched out and alone, exposed,
his open eyes staring into space
the blue of a bruise on the shoulders of
and several couplets more without a full stop.
I'm not sure I know what Portuguese sounds like. The look of the sound, if you see what I mean, is of something much more staccato than Dorion's French, more accented. And it is can be tricky to check lines for sound across languages. Here is the first line of a short poem, Indicios / Signs:
A natureza reina silenciosa
Nature reigns in silence
On the face of it, one might say, this looks straightforward, but the line in English seems static, as perhaps it might seem in the original for anyone who can hear it properly, sounds musical to me. An ovation for dual language books, anyway; and finally from this book that overall pleases me a lot, the opening of a poem without title,
Walking home, usual routine,
for bread baked by God and the devil,
below your feet that walk
A natureza reina silenciosa
Nature reigns in silence
On the face of it, one might say, this looks straightforward, but the line in English seems static, as perhaps it might seem in the original for anyone who can hear it properly, sounds musical to me. An ovation for dual language books, anyway; and finally from this book that overall pleases me a lot, the opening of a poem without title,
Walking home, usual routine,
for bread baked by God and the devil,
below your feet that walk
and several couplets more before a full stop, and several couplets more before an end without one.
*
Poemas de Antônio Moura
Um dia para atravessar – solentre duas noites imensas,tendo como companhia o corpo,este pequeno animal que nãote pertence e que, sem nadaperguntar, se oferece, devotadamente,ao tempo, deus que também éo próprio corpo em silêncioUm dia para transpor tendo por alimentoa poeira da estrada que se estendebranca, do nascente ao poente eque, lentamente, transforma-se emriacho negro que passa sob aponte suspensa da Via LácteaIr, à outra margem, de acordocom o que a própria ida engendraOra com o silvo das serpentes sob o passoOra andando sobre as águas do poema.
*
Poemas de Antônio Moura
Onde
Onde a voz é tão soprana que
sua ponta de diamante trincao céu de vidro, e onde a luzé treva, de tão intenso o brilho
onde o presente é eterno e o
eterno tão efêmero, que o tempo,
imóvel, é um Buda sentado à
beira e à sombra de si mesmo
Onde a beleza é medonha de
tão radiosa, rosto, rosa, que
nos interroga no silêncio dos
espaços infinitos que apavora
Onde o vazio é um estar cheio
de nada, e onde tudo não passa
de espaços entre as estrelas, vida,
morte, numa única centelha
(De Rio Silêncio)
sua ponta de diamante trincao céu de vidro, e onde a luzé treva, de tão intenso o brilho
onde o presente é eterno e o
eterno tão efêmero, que o tempo,
imóvel, é um Buda sentado à
beira e à sombra de si mesmo
Onde a beleza é medonha de
tão radiosa, rosto, rosa, que
nos interroga no silêncio dos
espaços infinitos que apavora
Onde o vazio é um estar cheio
de nada, e onde tudo não passa
de espaços entre as estrelas, vida,
morte, numa única centelha
(De Rio Silêncio)
Travessia
Um dia para atravessar – solentre duas noites imensas,tendo como companhia o corpo,este pequeno animal que nãote pertence e que, sem nadaperguntar, se oferece, devotadamente,ao tempo, deus que também éo próprio corpo em silêncioUm dia para transpor tendo por alimentoa poeira da estrada que se estendebranca, do nascente ao poente eque, lentamente, transforma-se emriacho negro que passa sob aponte suspensa da Via LácteaIr, à outra margem, de acordocom o que a própria ida engendraOra com o silvo das serpentes sob o passoOra andando sobre as águas do poema.
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